A MULHER QUE MATOU OS PEIXES - ANÁLISE


Publicada em 1968, esta obra narrada em primeiríssima pessoa, uma vez que é notória
a personalidade da própria Clarice, tem como núcleo de seu enredo a morte dos peixinhos vermelhos.

A escrita é direcionada ao público infantil, mas pode ser lida por qualquer pessoa em qualquer fase de sua vida.

Então, vamos para a análise desta obra que li durante um intervalo entre o lanche e a volta para a sala de aula.


Já no início, o leitor se depara com o juramento de uma “assassina” a dar sua palavra de que é uma pessoa de confiança e que tem doçura no coração, além do primeiro pedido de muitos pedidos de desculpas e perdões pelo ato cometido por ela.

Posso opinar que mesmo sendo infantil, a literatura deste livro se estende para caminhos complexos, e diria até, um pouco obscuros.

Ao se referir aos peixes como “vermelhinhos” a impressão que se tem é de que há carinho, característica marcada, inclusive quando ela se refere à morte da rata Maria de Fátima, morta de um jeito “horrivelzinho”: comida por um gato.

E carinho é algo tratado em toda a leitura, principalmente no jeito como cita os inúmeros bichinhos criados por ela.

Clarice está tão presente na obra que deu até seu nome à personagem, chegando a dirigir-se diretamente ao leitor pedindo que lhe diga seu nome bem baixinho para que o coração da personagem possa escutar.

Clarice Lispector com seu cão Ulisses
Mas, há resquícios de maldade e violência, - ainda que uma criança não possa perceber - como o fato de os pais se “divertirem” caçando e matando ratos, soando um tanto quanto maldoso. Sem falar na dificuldade que os pais sentem de permitir que os filhos criem um bichinho, pois para eles, é algo “infernal”.

O motivo da morte dos peixinhos não é mistério. Clarice diz de cara que morreram por ela ter esquecido-se de dar-lhes comida, antes de pedir desculpas pela segunda vez.

Barata é um bicho quase sempre presente nas obras de Clarice Lispector, e claro, não podia ficar de fora, mas quando ela diz que o pai ao ver uma pela casa corre atrás com um chinelo e bate até o inseto morrer, outra vez, a violência se faz presente. O mesmo ocorre quando ela diz achar “engraçado” quando “um pedaço solto de lagartixa começa a se mexer sozinho”.

Mas o propósito desta postagem não é criticar Clarice nem sua obra. Pelo contrário. Volto a afirmar que uma criança não ler com os mesmos olhos de um adulto, e ouso acrescentar que talvez seja mesmo esta a intenção da autora.

A comparação feita do tamanho de uma lagartixa ao de um jacaré pode ser interpretada como uma referência à fase de infância com inocência, pureza e curiosidade e à fase adulta com atos impensados e atitudes maldosas.

Nesta obra, a autora aproveita para mencionar outra de suas obras para crianças: “O mistério do coelho pensante”.

A escritora sempre mostrou sua paixão por cães
A paixão de Clarice por cachorros é explícita. Chega a comparar a inteligência de Dilermando, cachorro que comprou na Itália, à mesma inteligência de uma criança de dois anos.

Em meio às moradas pela Suíça, Itália e Estados Unidos, a autora-personagem segue o enredo falando de seus muitos bichinhos de estimação, sempre os comparando aos seres humanos, seja na “cara” de um cachorro, seja no “faro” de gente.

Jack, outro cão que adquirira, era americano, e mesmo não se lembrando de sua raça, Clarice denuncia que não era tão inteligente quanto Dilermando, um vira-lata. Daí o leitor pode fazer qualquer que seja sua interpretação para esta afirmação. Eu tenho a minha.

Quando um vizinho vem reclamar dos latidos de Jack ameaçando dar-lhe um tiro, a violência outra vez se manifesta.

O mico fêmea a quem batizou de Lisete é tão bem cuidada que mais parece uma amiga da personagem, que se refere a ela como “carinha de mulher”. Os filhos chegam a comparar a mãe com a macaca.

Roberto, um amigo de Clarice, também tinha um cachorro chamado de Bruno Barberini de Monteverdi, ou simplesmente, Bruno. Pois bem, acontece que Bruno também tinha um “amigo-cachorro” que atendia por Max, e um dia os dois tiveram uma briga horrível por conta do ciúme que Bruno tinha de seu dono. Os termos: “estraçalhado”, “orelhas inteiramente rasgadas”, são descrições, a meu ver, bastante pesadas para a leitura de uma criança.

Desta briga, Bruno foi parar no hospital. Isso mesmo! Hospital. Mas logo melhorou e foi outra vez brigar com Max, indo ao hospital pela segunda vez.

Vale ressaltar que a opinião sobre vingança é bem óbvia neste trecho, pois ao retornar a fúria de Bruno está maior, pois ficou tão “diabólico” de raiva que matou Bruno.

Clarice faz até uma análise psicológica do cão, uma das características que marcam suas obras, que devia lamentar a morte do amigo enquanto passeava sozinho.

E pensam que parou por aí? Não. A sessão violência continua quando Bruno é atacado por cinco cachorros que o “castigam até morrer”. Há aqui denúncias de violência e covardia.

Por mais de uma vez a mulher jura que tudo o que está escrito no livro é a mais pura verdade, chegando inclusive, a jurar “por Deus”.

Clarice vai ao paraíso, ou melhor, a uma ilha, e neste trecho ela entrega sua paixão pela natureza e aproveita para confessar como se deu o crime: ela matou os peixinhos. Sim. Esqueceu-se de dar comida a ele por três dias. A personagem ainda alega que é “muito ocupada”, pois escreve - e muito bem - “histórias para gente grande”.

E no último parágrafo do livro, ela pergunta diretamente ao leitor, bem antes de pedir desculpas por seu descuido mais uma vez, se ela é perdoada.

Mais uma vez, Clarice ao lado de Ulisses.
Borboletas, cavalos-marinhos, periquitos, ouriços e estrelas-do-mar, comparações entre seres humanos, em que muitas vezes os animais levam vantagens, inúmeros pedidos de desculpas e fortes justificativas pelo merecimento de perdão, assim é a obra de Clarice Lispector “A mulher que matou os peixes”.

Não deixem de ler.


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