FERNANDO PESSOA E SEUS HETERÔNIMOS FAMOSOS


Um homem que trazia em seu íntimo sentimentos e agonias como resquícios da Primeira Guerra, na qual os portugueses tiveram que entrar em combate as forças armadas da Áustria e da Alemanha há exatamente um século atrás,
Fernando Pessoa nos presenteia com tantas outras pessoas, pessoas estas, que podiam sim, serem reflexos das dores e tristezas de uma época.

Estação de Lisboa durante a Primeira Guerra
Os heterônimos foram criados pelo poeta para dar vazão a sentimentos que o habitavam, porém, nunca teve, por mais paradoxal que possa parecer tal afirmação. Se os houvesse tido, bastaria escrever sob pseudônimo. Entretanto, é cristalino que o fenômeno da heteronímia não escondia a criação poética do “Fernando Pessoa-ele mesmo” por trás de falsas identidades, como no caso de outros autores.

Dizemos então, de seus heterônimos que só nos faltava tocá-los, pois de alguns tinham toda uma identidade tão bem elaborada que muitos acreditam piamente em suas vitais existências.

Vale acrescentar aqui, que "O Palrador" tratava-se de um jornal em que o poeta falava ou proferia palavras ferinas com acentuados pontos de vistas e opiniões, julgando-se sempre sábio e dono da razão, sendo ele, então, o último a dar a palavra sobre qualquer coisa, e que, "O Phosphoro" trazia artigos sobre a crise moral da sociedade portuguesa tais como a falta de respeito da monarquia, seja por por parte da religião, seja por parte do mal do século, termo usado como referência à crise enfrentada pela Europa no século XIX, devido às crenças e aos valores da nação.

"Europa" tratava-se de uma outra revista e a "Empresa Íbis" era um órgão fictício, e simbolizava a renovação

01. Dr. Pancrácio - jornalista de "A Palavra" e de "O Palrador", contista, poeta e charadista. 

02. Luís Antônio Congo - colaborador de "O Palrador", cronista e apresentador de Eduardo Lança. 

03. Eduardo Lança - colaborador de "O Palrador", poeta luso-brasileiro. 

04. A. Francisco de Paula Angard - colaborador de "O Palrador", autor de textos científicos. 

05. Pedro da Silva Salles (Padre Zé) - colaborador de "O Palrador", autor e diretor da seção de anedotas. 

06. José Rodrigues do Valle (Scicio), - colaborador de "O Palrador", charadista e "dito" diretor literário. 

07. Pip - colaborador de "O Palrador", poeta humorístico, autor de anedotas e charadas, predecessor neste domínio do Dr. Pancrácio. 

08. Dr. Caloiro - colaborador de "O Palrador", jornalista-repórter de "A pesca das pérolas". 

09. Morris & Theodor - colaborador de "O Palrador" e charadista. 

10. Diabo Azul - colaborador de "O Palrador" e charadista. 

11. Parry - colaborador de "O Palrador" e charadista. 

12. Gallião Pequeno - colaborador de "O Palrador" e charadista. 

13. Accursio Urbano - colaborador de "O Palrador" e charadista 

14. Cecília - colaborador de "O Palrador" e charadista. 

15. José Rasteiro - colaborador de "O Palrador" e autor de provérbios e adivinhas. 

16. Tagus - colaborador no "Natal Mercury". 

17. Adolph Moscow - colaborador de "O Palrador", romancista, autor de "Os Rapazes de Barrowby". 

18. Marvell Kisch autor de um romance anunciado em "O Palrador" (A Riqueza de um Doido). 

19. Gabriel Keene - autor de um romance anunciado em "O Palrador" (Em Dias de Perigo). 

20. Sableton-Kay - autor de um romance anunciado em "O Palrador" (A Luta Aérea). 

21.Dr. Gaudêncio Nabos - diretor de "O Palrador", jornalista e humorista anglo-português). 

22. Nympha Negra - colaborador de "O Palrador" e charadista. 

23. Professor Trochee - autor de um ensaio humorístico de conselhos aos jovens poetas. 

24. David Merrick - poeta, contista e dramaturgo. 

25. Lucas Merrick - contista (talvez irmão de David). 

26. Willyam Links Esk - personagem de ficção que assina uma carta num inglês defeituoso (13/4/1905). 

27. Charles Robert Anon - poeta, filósofo e contista. 

28. Horace James Faber - ensaísta e contista. 

29. Navas - tradutor de Horace J. Faber. 

30. Alexander Search - poeta e contista. 

31. Charles James Search - tradutor e ensaísta (irmão de Alexander). 

32. Herr Prosit - tradutor de O Estudante de Salamanca de Espronceda. 

33. Jean Seul de Méluret - poeta e ensaísta em francês. 

34. Pantaleão - poeta e prosador. 

35. Torquato Mendes Fonseca da Cunha Rey - autor (falecido) de um escrito sem título que Pantaleão decide publicar. 

36. Gomes Pipa - anunciado como colaborador de "O Phosphoro" e da Empresa Íbis como autor de "Contos políticos". 

37. Íbis - personagem da infância que acompanha Pessoa até ao fim da vida nas relações com os seus íntimos que sobretudo se exprimiu de viva voz, mas também assinou poemas. 

38. Joaquim Moura Costa - poeta satírico, militante republicano, colaborador de "O Phosphoro". 

39. Faustino Antunes (A. Moreira) - psicólogo, autor de um "Ensaio sobre a Intuição". 

40. António Gomes - licenciado em filosofia pela Universidade dos Inúteis, autor da "Historia Cômica do Çapateiro Affonso". 

41. Vicente Guedes - tradutor, poeta, contista da Íbis, autor de um diário. 

42. Gervásio Guedes - (talvez irmão de Vicente) autor de um texto anunciado, "A Coroação de Jorge Quinto", em tempos de "O Phosphoro" e da Empresa Íbis. 

43. Carlos Otto - poeta e autor do "Tratado de Luta Livre". 

44. Miguel Otto - irmão provável de Carlos a quem teria sido passada a incumbência da tradução do "Tratado de Luta Livre". 

45. Frederick Wyatt - poeta e prosador em inglês. 

46. Rev. Walter Wyatt - (talvez irmão clérigo de Frederick). 

47. Alfred Wyatt - mais um irmão Wyatt, residente em Paris. 

48. Bernardo Soares - poeta e prosador. 

49. António Mora - filósofo e sociólogo, teórico do Neopaganismo. 

50. Sher Henay - compilador e prefaciador de uma antologia sensacionalista em inglês. 

51. Ricardo Reis. 

52. Alberto Caeiro. 

53. Álvaro de Campos. 

54. Barão de Teive - prosador, autor de "Educação do Stoico" e "Daphnis e Chloe". 

55. Maria José - escreve e assina "A Carta da Corcunda para o Serralheiro". 

56. Abílio Quaresma - personagem de Pero Botelho e autor de contos policiais. 

57. Pero Botelho - contista e autor de cartas. 

58. Efbeedee Pasha - autor de "Stories" humorísticas. 

59. Thomas Crosse - inglês de pendor épico-ocultista, divulgador da cultura portuguesa. 

60. I.I. Crosse - coadjuvante do irmão Thomas na divulgação de Campos e Caeiro. 

61. A.A. Crosse - charadista e cruzadista. 

62. António de Seabra - crítico literário do sensacionismo. 

63. Frederico Reis - ensaísta, irmão (ou primo, talvez) de Ricardo Reis sobre quem escreve. 

64. Diniz da Silva - autor do poema "Loucura" e colaborador de "Europa". 

65. Coelho Pacheco - poeta da revista "Orpheu III" e da revista projetada "Europa". 

66. Raphael Baldaya - astrólogo e autor de "Tratado da Negação" e "Princípios de Metafísica Esotérica". 

67. Claude Pasteur - francês, tradutor de "Cadernos de Reconstrução Pagã" dirigidos por A. Mora. 

68. João Craveiro - jornalista e pessoa partidária. 

69. Henry More - autor em prosa de comunicações mediúnicas - romances do inconsciente - como Pessoa lhes chama. 

70. Wardour - poeta revelado em comunicações mediúnicas. 

71. J. M. Hyslop - poeta revelado em comunicação mediúnica. 

72. Vadooisf - poeta revelado em comunicação mediúnica. 


Veremos a seguir os mais famosos de seus heterônimos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.

Alberto Caeiro: O pai de todos


“Desculpem-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre”. Assim Fernando Pessoa, em carta a Adolfo Casais Monteiro – datada de 13 de janeiro de 1935 e escrita com o objetivo de responder ao destinatário “sua pergunta sobre a gênese dos meus heterônimos” –, refere-se a Alberto Caeiro. No trecho em questão, está relatando o “dia triunfal da minha vida”, isto é, 8 de março de 1914, quando teria dado à luz seus principais autores-personagens, começando pelo pagão Caeiro.

Mapa astral de Alberto Caeiro feito por Pessoa.
Pessoa conta que na ocasião já desistira de “inventar um poeta bucólico, de espécie complicada”, algo que lhe ocorrera para pregar uma peça em Mário de Sá-Carneiro, fazendo-o crer que tal escritor existisse. Então, naquele domingo – o 8 de março de 1914 caiu num domingo –, aproximou-se “de uma cômoda alta e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro”. Após o jorro de poemas caeirianos, o poeta português teria redigido “também a fio, os seis poemas que constituem a 'Chuva oblíqua', de Fernando Pessoa. (...) Foi o regresso de Fernando Pessoa Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só”. E depois: “Aparecido Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente (...). E, de repente, e em derivação oposta (....), surgiu-me impetuosamente (...) Álvaro de Campos”.

Robert Bréchon
Robert Bréchon, um ensaísta francês, sendo um dos principais especialistas estrangeiros na vida e obra de Fernando Pessoa, em Um estranho estrangeiro, chama a atenção para o fato de que alguns estudiosos do poeta levantam a hipótese de que haja “exageros” nessa espécie de certidão de nascimento dos heterônimos. O biógrafo cita, por exemplo, Ivo Castro, organizador de uma edição crítica da obra de Caeiro, para quem, no suposto “dia triunfal” teriam sido redigidos apenas 19 poemas de O Guardador de Rebanhos; para chegar aos 49 que completam o trabalho, Pessoa haveria recorrido até mesmo a dez textos produzidos antes do tal 8 de março. Para Bréchon, nada disso importa: “O essencial está naquele 'disparo', que faz lembrar uma conversão”, acredita.

Adolfo Casais Monteiro
O escritor lusitano admite a Casais Monteiro que em 1912 já fora assombrado por Ricardo Reis – por isso ele aparece antes de Caeiro na lista de 72 heterônimos pessoanos elaborada por Teresa Rita Lopes –, só que não conseguira “vê-lo”.

A visão clara de Reis, de Campos, de si mesmo só viria com o surgimento de Alberto Caeiro: daí a pertinência da ideia de que “no dia triunfal” lhe nascera o próprio mestre. Mais do que isso: de que, com ele, o próprio Pessoa, enquanto poeta ortônimo, “nasceria”, a partir da multiplicação dos heterônimos. Caeiro, portanto, não é apenas o mestre de Fernando Pessoa, de Ricardo Reis e de Álvaro de Campos – é, literalmente, o pai de todos eles.

Em sua histórica missiva a Casais Monteiro, o remetente dá notícias biográficas de seus autores personagens. No caso de Alberto Caeiro da Silva, teria nascido em 1889 – num horóscopo que chegou a lhe fazer, Pessoa data o nascimento do poeta de O Guardador de Rebanhos em 16 de abril, à “1:45 pm” – e morrido em 1915. Embora natural de Lisboa, sua vida quase inteira haveria de ser passada no campo (“numa quinta do Ribatejo”, garante Reis em um manuscrito sem data). “Não teve profissão nem educação quase alguma”, anota Pessoa em sua correspondência, para, pouco adiante, atribuir a Caeiro exatamente apenas a instrução primária. “Era de estatura média e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era”, observa. “Louro sem cor, olhos azuis”, ainda de acordo com Pessoa, Caeiro teria perdido cedo os pais, indo então morar “com uma tia velha, tia-avó”.

“Com quem se pode comparar Caeiro?”, pergunta Ricardo Reis em um apontamento datado de um incerto 1917. “Com bem poucos poetas”, responde. Cita alguns, como W. Whitman, mas reconhece as distâncias entre eles. Não era para menos: pensar na contribuição de Alberto Caeiro é refletir – contra a sua vontade – sobre a razão de ser da própria poesia. Não surpreende que as obras de Reis, de Campos e do poeta ortônimo existam para responder a esse impasse lançado pela produção caeiriana.


Ricardo Reis: Um discípulo às avessas


Sua biografia é confusa. Segundo o que Fernando Pessoa diz em sua famosa carta a Adolfo Casais Monteiro, Reis nasceu no Porto em 1887.

Porém, no horóscopo que lhe preparou, Pessoa, depois de escrever a data de seu nascimento, 19 de setembro, anotou embaixo dela: “às 4:05 tarde Lisboa”. Na missiva a Casais Monteiro, como se sabe, o criador dos heterônimos registra que Ricardo Reis se constituíra, como Alberto Caeiro e Álvaro de Campos, a 8 de março de 1914. Entretanto, num apontamento que pode ter sido escrito também em 1914, Pessoa afirma que Reis nascera em sua “alma” a 29 de janeiro. A correspondência a Adolfo Casais Monteiro traz ainda outras informações biográficas do autor das Odes: fala que ele estudou em colégio de jesuítas, que é “de um vago moreno mate”, pouco mais baixo e mais forte que Caeiro, embora “seco”, e vive desde 1919 no Brasil.

Mapa astral de Ricardo Reis feito por Pessoa
Reis desenvolveu uma obra de inspiração clássica – seu modelo foi Horácio, no entanto, ele também nutria admiração por Virgílio. Sua poesia, marcada pelo rigor da forma e um ritmo que a aproxima das construções latinas, deixa transparecer uma crença inabalável no poder da palavra para representar a natureza, o pensamento, o mundo enfim. “Eu (...) diria que a poesia é uma música que se faz com idéias, e por isso com palavras. Um poema é a projeção de uma ideia em palavras através da emoção. A emoção não é a base da poesia: é tão-somente o meio de que a ideia se serve para se reduzir a palavras”, sustentou Ricardo Reis numa polêmica travada com Álvaro de Campos, que definira a poesia como “aquela forma de prosa em que o ritmo é artificial” (ambas conceituações aparecem num manuscrito datado de 9 de abril de 1930). Essa profissão de fé do escritor das Odes em uma poética de idéias e palavras o coloca na mais autêntica postura anticaeiriana.


Álvaro de Campos: Exclamação e metafísica


De acordo com a explicação dada por Pessoa a Adolfo Casais Monteiro na mencionada correspondência de 1935, o “engenheiro naval” Álvaro de Campos veio à tona “em derivação oposta a Ricardo Reis. Se este iria se esmerar em uma poética cerebralíssima, com versos clássicos e contidos, Campos apostaria em poemas explosivos, marcados pelo signo da exclamação. 

Pelo que atesta Fernando Pessoa na carta a Casais Monteiro –, o poeta investe numa produção mais reflexiva. Como se não acreditasse mais no valor de uma poética interessada em traduzir em palavras a vibração estrondosa das sensações, ele se recolhe. É o período em que produz uma obra-prima, o poema “Tabacaria” (“Não sou nada./Nunca serei nada. Não posso querer ser nada./À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”).

Mapa astral de Álvaro de Campos de acordo com informações das cartas

Álvaro de Campos, informa Pessoa ao seu destinatário de 1935, nasceu à 1h30 da tarde de 15 de outubro de 1890 em Tavira. “Alto (1,75m, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se”, era “entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo”. Recebeu “uma educação vulgar de liceu” e foi enviado a Glasgow para estudar engenharia, “primeiro mecânica e depois naval”. Versado em latim, graças a um “tio beirão que era padre”, teria escrito “Opiário” numa viagem de férias ao Oriente. Ao regressar dela, como relata num texto sem data, havendo desembarcado em Marselha e “sentindo um grande tédio de seguir”, foi por terra até Lisboa, onde um primo o levou a conhecer aquele que “havia de ser meu mestre”. 

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