NARRADORES DE JAVÉ - RESENHA





Um filme simples, mas de uma riqueza sem tamanho, desde o roteiro ao elenco.

Acompanhem a seguir a resenha desta obra do cinema brasileiro.


José Dumont interpreta Antônio Biá

E ainda tem as participações mais que especiais de


Nelson Dantas (Vicentino)


Gero Camilo (Firmino)


Nelson Xavier (Zaqueu)

Assista ao filme aqui, e leia a resenha a seguir.


Narradores de Javé

Ao se depararem com a notícia de que uma usina hidrelétrica será construída no vilarejo chamado Javé, tendo sua existência ameaçada, os habitantes passam a se preocupar em fazer algo para que a rotina de suas vidas não desapareça sob as águas. A comunidade então usa como estratégia a preparação de um documento no qual devam constar todos os acontecimentos históricos e heroicos envolvendo os moradores e o próprio vilarejo com a finalidade de impedir a destruição deste. O problema é que a maioria dos moradores é analfabeta e precisa encontrar alguém para escrever.

Por não possuírem nenhum registro ou documento das terras, os moradores sequer podem ser indenizados, pois se existisse ao menos algum “documento científico” comprovando a história de alguém ou qualquer preservação patrimonial talvez o lugar pudesse ser salvo da submersão aquática a qual estavam predestinados. E para ajudar todos os habitantes necessitam da colaboração de “Antônio Biá”, um dos moradores local e dos poucos “alfabetizados”, considerando isto como o conhecimento da leitura e da escrita não no total sentido da palavra, uma vez que a personagem não se carrega de domínios linguísticos nem tem características de letramento no âmbito geral, algo compreensível, pois tudo isso acontece no sertão nordestino numa época em que a educação era escassa, mas no saber transpor para o papel os depoimentos de cada morador desde que este se valesse de algum conteúdo relevante a respeito do lugar, mesmo que a escrita da personagem não fosse rica em recursos gramaticais e da prática da norma culta.

Ao ser apontado pelo povo como o escritor do livro a ser registrado as histórias dos moradores de Javé, Antônio Biá se sente na importância em pessoa do lugar. Todos o procuram para relatar sobre seus feitos, suas linhagens e seus antepassados, tornando-se notável a supremacia da cultura letrada sobre a cultura popular tanto nas falas das personagens, analfabeta, mas rica em conteúdo e nos detalhes como relatavam os fatos, quanto na autoridade com a qual Antônio se achava de escolher sobre quem e o que escreveria no livro.

Obviamente, a classe dominante no filme está relacionada ao fato de um alfabetizado se tornar importante num vilarejo repleto de analfabetos por precisarem de sua ajuda, porém, a classe dominante mesmo pode ser o próprio órgão responsável por instalar a usina no local, provavelmente representado por membros letrados, cheios de ideais tecnológicos e progressistas, e de nível cultural elevado em comparação aos moradores de Javé, que além de perderem o lugar onde moravam ainda não seriam indenizados.

Denominado pelos habitantes de “Livro da Salvação”, a obra de Antônio Biá registraria cientificamente, uma vez que se trataria de relatos pessoais, alguns com provas como fotografias e até documentos, além de relações entre si, alguma defesa de direitos aos moradores vista por um órgão maior, no entanto, o referido escritor se preocupa mais em escutar do que em escrever, abusando da hospitalidade e da importância que lhe era oferecida pelos habitantes, sempre receptivos e dispostos na tentativa de fazer parte da história.

Ao telespectador, é ofertado o tempo todo e de forma satírica, a maneira de como as pessoas falava e se relacionava no sertão nordestino e a compreensão da importância no reconhecimento dessa cultura ainda hoje preservada, mesmo que para muitos preconceituosamente, mas que denota toda a tradição de um povo sofrido, forte e heroico em confronto com a realidade tão focada em progresso e tecnologia que não prima pelo menos favorecido.

Tendo em vista, o entendimento de documento científico como algo tátil, provável e inquestionável, faz parecer que a cultura desde os costumes, a linguagem coloquial de determinados lugares e a história que os envolve, quando repassada descendentemente, torna-se menos importante só por não terem registros concretos. O fato é que a história da língua não foi escrita inicialmente, pois para tanto, precisou passar pelo processo de oralidade, e é aqui que se percebe a importância dos relatos de todo e qualquer povo como os moradores de Javé. 

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