A HORA DA ESTRELA


Uma obra com três enredos. Assim pode ser descrito o último romance da maravilhosa Clarice Lispector.


Rodrigo S.M. é um narrador fictício criado pela escritora. Além de narrar a história, pode ser entendido como uma representação da própria escritora. Ele faz ao longo do livro diversas reflexões sobre o ato de escrever. Sua principal preocupação é em mergulhar na profundidade do ser humano para entender sua natureza. Cabe a ele trazer reflexões a respeito da personalidade incomum ao relatar a vida de Macabéa, uma jovem nordestina cheia de sonhos, fantasias, manias estranhas e dona de uma vida marcada por conflitos tanto externos quanto internos.


No enredo que dá início à obra, o leitor toma conhecimento sobre Macabéa, jovem de 19 anos nascida em Alagoas, e que mora no Rio de Janeiro. Por terem seus pais morrido quando ainda era criança pouco se lembra deles. Sua tia, cheia de moralismo e extremamente religiosa, criou a menina em meio à culturas supersticiosas, costumes os quais Macabéa tem como herança. Não tem nem nunca teve amigos, e sequer possuiu algum animal de estimação, ou seja, não teve infância.


A menina era castigada de várias maneiras, e muitas vezes sem motivo algum, desde cascudos na cabeça à privação de saborear o queijo com goiabada, o famoso "Romeu e Julieta" - vale alertá-los que o nome dado à sobremesa é uma referência ao famoso romance de Shakespeare, o que pode ser uma predição da impossibilidade de Macabéa conhecer o verdadeiro amor - uma das paixões da personagem que gosta de coca-cola, da atriz Marilyn Monroe, de recortar figuras de revistas e de ouvir rádio relógio.


No Rio de Janeiro, recebe menos de um salário mínimo em seu emprego de datilógrafa, curso que fez, mesmo não sabendo escrever direito devido a falta de estudo. A morte de sua tia faz com que a jovem transpareça descrente de religião, deixando de frequentar as missas na igreja. Passa a dividir um quarto numa pensão com mais quatro mulheres, estas, balconistas de uma loja popular, profissão dúbia para o contexto histórico da época.


Não interprete de forma negativa, mas Macabéa cheirava mal e banho não era um de seus hábitos. Vivia a tossir devido a sua péssima, as vezes, nenhuma alimentação, a azia lhe atacava quase diariamente. Ela costumava comer pedaços de folha de papel para enganar a fome.


Caro leitor, não faça julgamentos precipitados a respeito da personagem. Lembre-se de que sua vida, se é que chegou a ter uma até agora, foi muito severa.


Seu único amigo era o rádio relógio que suas colegas lhe emprestara. Nele, ela ouvia além das horas, propagandas e transmissões sem utilidade alguma. Nem música tocava. Em seus recortes, chegou a nutrir desejos por um creme de propaganda de cosméticos, mas não para o uso comum, e sim para saboreá-lo. Sua maior vaidade consistia em pintar de vermelho as unhas, e em seguida, as roía. Quando recebia seu salário, comprava uma rosa e ia ao cinema, pois seu maior sonho era ser uma Estrela de cinema.


Um dia, seu Raimundo demite a jovem por não ter mais paciência em tolerar os textos repletos de erros ortográficos e de marcas de sujeira, no entanto, se comove com a reação de Macabéa que se desculpa de tal maneira que ele permite que ela trabalhe por mais um tempo.


E em pleno dia de expediente, mais precisamente 7 de maio, não é que ela decide mentir para se isentar do trabalho? Sim! Macabéa diz ter extraído um dente, só para sair da rotina e fazer algo diferente. Sua liberdade se resume em dançar ao som de música alta e tomar café solúvel e quentinho. Ela se dá inclusive ao luxo de se entediar. Neste mesmo dia de libertação, conhece o paraibano Olímpico de Jesus, seu primeiro e único namorado, um homem fugitivo por matar um homem quando morava no Nordeste. Olímpico não tinha escrúpulo algum. Morava no local de trabalho, metalúrgico que era. Roubava os colegas e ainda almejava ser um dia deputado.


Lembre-se novamente de que Macabéa nunca teve ninguém, por isso fazia perguntas e mais perguntas ao seu namorado, irritando-o bastante. Ele era grosso, insensível e indelicado. Ela, por sua vez, muito se desculpava por medo de perdê-lo.


Certo dia, Macabéa vai às nuvens quando seu namorado a leva no bar da esquina e lhe compra um café com leite. O que para ela parecia bondade não passava de reconhecimento por ele nunca ter gasto nada até o "generoso" convite. O café misturado acaba por deixá-la enjoada.


A personagem em um dos momentos, chega a urinar na roupa de tanto medo que sente ao ver um rinoceronte em um dos passeios com o namorado.


No emprego, ela divide espaço com Glória, a filha do açougueiro. Mulher muito sensual que recebe constantemente ligações de seus muitos paqueras. Macabéa, em certo momento, fica tão encantada que decide comprar uma ficha telefônica e pede que Olímpio ligue para ela no horário de trabalho. Ele não dá atenção e avisa que não dispõe de tempo para escutar as bobagens da moça, e ainda rompe o namoro para cortejar Glória, a fim de que pela influência do pai açougueiro possa atingir seus almejos.


Numa ida ao médico, ela descobre que tem tuberculose, e mesmo sem saber a gravidade da doença, sente-se feliz somente por ter ido ao médico e nem se importa em comprar o que foi lhe foi medicado.


Glória, convida Macabéa para um lanche em sua casa, por tamanho peso na consciência em lhe tomar o namorado. A jovem come abundantemente, e o pecado da gula não lhe permite sequer o desperdício do vômito, provocado pela ingestão excessiva de chocolates, embora não se sinta bem pelo fato de ter roubado uma simples rosquinha.


É aí que a "amiga" aconselha Macabéa a visitar uma cartomante para que esta possa ler sua sorte. A jovem se encanta com a residência de Madama Carlota, que a recebe agradavelmente e com tal afeto nunca conhecido por nossa protagonista. A cartomante, logo depois de contar sua vida como prostituta e cafetina lê as cartas para Macabéa. A jovem se emociona, não mais que o leitor a esta altura do campeonato, ao escutar que se casará com um estrangeiro rico que lhe encheria de todo o amor que precisava.


Muito feliz com as previsões dadas por Madama Carlota, a jovem Macabéa acaba por atravessar uma rua sem olhar e é atropelada por uma Mercedes-Benz. E ali, na calçada e com seu corpo sangrando, de repente se aglomeram inúmeros espectadores ao seu redor, a olharem sem lhe oferecer nenhuma ajuda e a assistirem a moça tossir sangue e morrer. Sim! Todos viram a hora da estrela que não era Marilyn, e sim, Macabéa.

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