Dedico este texto aos que sabem o significado da palavra saudade. Mas antes de inseri-lo aqui, me sinto no dever de explicar do que se trata.
Há treze anos perdi uma figura muito querida não só por mim e por toda a minha família, mas por todos que o conheciam. Seu nome era Francisco Augusto Barbosa, meu avô.
Ele teve dois apelidos. O primeiro e o que atendia com maior empenho era Chico, mais óbvio, impossível. O segundo, Garguelo, apelido este, que só fora aceito por ele com o passar dos anos. Sua recusa teve as razões, razões estas, que se tornaram razões para a aceitação.
Está bem. Vou esclarecer. Contudo, antes é preciso que saibam o que significa Garguelo. Tal apelido origina do substantivo gargalo, segundo o dicionário, é a parte de uma garrafa, de um vaso etc. constituída por um colo de forma alongada e abertura estreita, ou informalmente falando: pescoço, garganta.
Meu avô era alcoólatra, desses que numa roda de conversa entre amigos emborcava um litro de cana na boca, daí o apelido.
Pronto, agora, vamos ao texto confeccionado no dia 03 de março de 2015, dia em que a saudade sentida me fez molhar a folha de papel.
GARGALO
Era apenas um esqueleto a se mover. Tinha um pouco de carne. Carne encharcada pelo suor da labuta, pelo sofrimento de quem tenta se manter vivo no sertão nordestino e pelo cansaço diário. Estupefato, coitado! As vezes, mal conseguia ficar de pé, apoiando-se numa bengala, dessas, feitas a partir de um pedaço de talo de carnaubeira.
Lembro-me de suas vestimentas, aparentemente centenárias, denunciando assim, sua minguada preocupação com a moda da época. E suas faces? Ah, suas faces... Cada ruga tinha uma história a ser contada. Creio que algumas das minhas foram causadas pelos risos e expressões a cada uma das histórias que eu, atentamente, escutava.
Seus brumados olhos clareavam a negra cor que há muito o tempo se empenhara em esconder. E todos os seus membros denunciavam a trajetória de uma vida mantida sob circunstâncias provadas por força, luta e coragem.
A cor dura de suas unhas e a aspereza de suas mãos acusavam o contato que sempre tivera com o barro a condir tijolos e no cultivo de plantações agrícolas, atividades refletidas nas tatuagens resultantes dos pesos que erguera, agora em forma de calos e rachaduras.
Não guardava mais nenhum dente na boca. Muitas vezes, mal podia comer o que não tinha. No entanto, vez ou outra, escarrava o líquido escurecido pelo tabaco viciosamente mascado.
Obrigada pelas fatigadas vértebras sua altura era diminuída a cada dia que passava. E com o passar do tempo, economizava nas falas, porém, nunca polpava os ouvidos. Percebia suas rugas se esticarem ao recitar-lhe poemas e a testa franzir-se com as prosas que lia para ele.
Maravilhava-se com as paisagens nas paredes e nos muros, com uma criança a nadar num lago, com uma senhora a colher flores no jardim e com uma mãe a passear com o filho no colo. Sorria tão sincero e lindo e doce.
Nunca me esquecerei das histórias ouvidas e das contadas, dos gritos de alegria ao cantarolar uma moda de viola ou das dores sentidas no remate de sua vida e do exemplo de esposo, pai e avô que sempre dera.
Sempre que escuto "Meu primeiro amor (saudade palavra triste)" lembro de seus olhos chorosos e de sua voz trêmula a me dizer que não sabia o que era felicidade, ao lembrar de sua esposa já falecida, minha avó, para quem cantarolava além desta canção, "Índia". Nunca soube, mas foi graças a ele que tomei gosto pela dupla caipira Cascatinha & Inhana.
Lembro-me também de sua voz a me dizer que não sabia o que era este sentimento, mas eu, bem certeza tenho, ele sabia o que era felicidade, sim!
(Ciomar Amil)
Este é Francisco Augusto Barbosa, agricultor, tijoleiro, exemplar pai de família e doce avô.
Recomendo que escutem as músicas mencionadas no texto. São lindas!
Cascatinha & Inhana - Meu Primeiro Amor (assista)
Cascatinha & Inhana - Índia (assista)
Perfeito
ResponderExcluirObrigado! Sangue é sangue.
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